Entendendo um Pouco sobre os Conflitos entre Israelenses e Palestinos

Elio Passeto


Este artigo surgiu originalmente com uma resposta a uma acadêmica.

Com relação aos conflitos entre israelenses e palestinos, uns falam que é por questões religiosas e outros que é por questões territoriais. Qual a sua opinião com relação a este contexto?

Este é um tema difícil de explicá-lo em pouca linhas. Toda rapidez ou pretensão de tudo explicar já está fadado ao erro. Primeiramente é bom ter claro que a resposta não está num lado ou em outro apenas, e possivelmente não estará nem mesmo em duas alternativas juntas. O Oriente tem suas leis que não são conforme às leis do Ocidente; portanto, não podemos usar as mesmas chaves de leitura ou de análise para tentar entender os ditos problemas.

 A consciência de memória, a identidade de grupo, a tradição, a duração do tempo, a função religiosa e política na sociedade, são alguns dos elementos muito vivos e determinantes no Oriente.

A explicação do dito conflito israel-palestino não tem sua origem no século passado e nem tampouco foram os dois grupos, assim definidos, que o criaram; toda conclusão final oriunda da expressão dos  sintomas aparentes não contempla a causa.

O conflito é mantido por interesses externos aos dois grupos em questão. E se ele for resolvido um dia, haverá outros pretextos para que um conflito desta natureza seja mantido.

Primeiro é preciso partir de dados reais e históricos sobre o fato. Não depende de visão subjetiva. A história do povo judeu com esta terra atravessa o tempo e ignorar este dado é desprezar a justa busca da verdade.

Ele se organizou enquanto povo a partir da Terra de Israel e assim constituiu sua identidade: Deus, Terra, povo e Jerusalém. Esses dados são constituintes históricos, identitários e ao mesmo tempo, na tradição judeu e cristã, são elementos de valor divino.

Sabemos que a Bíblia atribui ao Rei David a unificação do povo e a constituição de sua soberania. Esta soberania foi mantida pelo Rei Salomão; logo depois dele, Israel perdeu progressivamente sua autonomia política. O reino do norte foi invadido no século VII e  o reino do sul no século VI.

No século V o povo foi autorizado a retornar à sua terra, mas agora sob o domínio do rei persa Ciro. Com a ascensão do império grego (século IV), a região da Terra de Israel ficou sob o domínio helênico. No século II a.C. os judeus se revoltaram contra a presença grega (revolta dos Macabeus) e conseguiram expulsar os gregos, conseguindo com isso restabelecer a soberania do povo judeu por um século sobre a Terra de Israel.

No século I a.C. (ano 63 a.C.), os romanos conquistaram todo o império grego e destruiu a soberania de Israel; o povo judeu passou a ser dominado, em sua terra, pelos romanos. No ano 70 da era cristã, e depois confirmado em 135 pelo imperador Adriano, foi proibido aos Judeus estar em Jerusálem. Isso foi uma tentativa de cancelar a memória do Deus de Israel, o Deus único que incomodava a divindade romana, fazendo com que o povo judeu não aceitasse submeter-se ao deus romano.

Adriano, em 135, mudou o nome da cidade de Jerusalém para Aelia Capitólia e da Terra de Israel para Palestina. Com essa decisão o imperador visava diretamente o povo judeu, mesmo porque o que nós chamamos cristianismo era visto pelos romanos como uma expressão do judaísmo e o Deus era o mesmo.

Esse domínio durou até o início do século IV d.C., quando o império romano passou a ser bizantino, e portanto cristão. Mais uma vez não foi dada autonomia ou soberania aos povos constituídos.

O império bizantino durou até 640 com a chegada do Islã; e a partir deste momento o espaço da Terra de Israel, que fora transformado em Palestina, ficaria sob o domínio do Islã até 1918, exceto o período dos cruzados, séculos XI-XIII.

Sob o domínio de diversos grupos islâmicos, nunca foi permitida uma liberdade de culto e não houve possibilidade de desenvolvimento de outras religiões neste espaço. O cristianismo sobreviveu sob a condição subalterna; mas o povo judeu, praticamente não teve permissão de retornar à sua terra.

A região chamada Palestina não constituiu nunca uma soberania estando sempre sob o domínio estrangeiro, seja ele bizantino ou árabe-turco. Sempre foi um poder externo que dominou a região. Por isso os povos que viviam na chamada Palestina não possuíram nunca uma soberania, foram sempre subjugados a outros poderes políticos.

Mesmo em 1918, quando os ingleses assumiram a região, depois da derrota dos turcos na primeira guerra mundial, eles estabeleceram um sistema mandatório inglês na região.

A partir do início do século XX, os judeus, aproveitando-se do enfraquecimento do império turco, inicialmente e depois da presença inglesa, vão lentamente povoando a região da Terra de Israel, e nos anos 30 do século passado, começam a fazer oposição ao mandato inglês na região, buscando a autonomia sobre a terra. Esse movimento tomou força e em 1948 os judeus conseguiram expulsar os ingleses que aqui dominavam e estabeleceram o Estado de Israel.

Os árabes que aqui viviam se opuseram à constituição de um Estado árabe como foi pensado juntamente com o Estado de Israel e lutaram em favor dos ingleses. A dimensão de Israel, no início, era menor do que aparece hoje. Mas é preciso se ater ao fato de que o poder que fora afastado não era um poder ou domínio palestino, mas sim o poder mandatório inglês.

Uma parte do espaço onde hoje está constituída a ‘Autonomia Palestina’ foi pensada e discutida para ser um Estado para os árabes que aqui viviam (palestinos), mas a comunidade árabe não aceitou essa proposta e mesmo não aceitou a presença do Estado de Israel sobre a Terra de Israel, pois, como princípio, esta foi transformada em terra do Islã durante muitos séculos, e Jerusalém é o terceiro Santuário mundial do Islã.

Este espaço de terra, hoje estabelecida como Autonomia Palestina foi invadido pela Jordânia em 1948 como base estratégica de ataque contra o novo Estado de Israel. Foi assim que em 1967 os países árabes mal calcularam suas forças e se uniram para o grande ataque contra Israel, na chamada guerra dos seis dias.

O projeto era a retomada da terra do Islã, liberar os árabes moradores no local da invasão dos estrangeiros, os judeus. Essa tentativa falhou, os países árabes perderam a guerra de forma inesperada e mesmo inexplicada e com isso Israel tomou a parte que era invadida pela Jordânia (Cisjordânia), o alto do Golã da Síria e a península do Sinai do Egito.

Mesmo que já houvesse uma certa consciência por parte da população local na busca de uma certa autonomia, ela foi completamente abafada com a presença jordaniana, mas ela vai praticamente nascer a partir de 1967 com o enfoque de libertar da presença do domínio de Israel sobre essa população.

Nem sempre se pode identificar esse movimento local, mas sobretudo de iniciativa de grupos a partir de países árabes que perderam a guerra dos seis dias.  Ao mesmo tempo, o objetivo, antes de ser a libertação e autonomia da população local (palestina), foi muito mais afirmar a oposição contra a presença de Israel em terra de Islã.

A população local foi sempre tomada como refém desse interesse mais amplo de uma grande nação islâmica e não necessariamente de uma nação palestina. Se fosse o interesse verdadeiro, a Jordânia poderia ter facilitado essa soberania sobre o espaço que ela dominou a partir do ano de 1948 até 1967, onde hoje é constituída a Autonomia Palestina; ao contrário, nenhuma iniciativa neste sentido foi encorajada, foram mesmo abafadas pequenas tentativas feitas por moradores locais sob seu domínio.

A guerra de Yom Kipur em 1973 foi uma segunda tentativa de ataque sobre Israel por parte dos países árabes, e mais uma vez perderam a guerra. Isso solidificou a consciência de Israel da dificuldade de convivência pacífica com seus vizinhos. E mais uma vez Israel, em nome da proteção das suas fronteiras, contra possíveis ataques dos seus vizinhos, mantém os espaços conquistados pelas guerras de 1967 e 1973.

Infelizmente a população que aí se encontra paga o preço de estar no meio desta não aceitação por parte dos países árabes da presença de Israel nesta terra. Um acordo com o Egito possibilitou a Israel devolver a península do Sinai ao Egito e estabelecer as relações diplomáticas com o mesmo.

Ao mesmo tempo foram estabelecidas as relações diplomáticas com a Jordânia. Vale dizer que são relações diplomáticas que se portam sobre um interesse econômico sobretudo, e não de simpatia entre os povos; mas é melhor uma paz em tensão que a guerra.

Quanto aos palestinos, depois de 1993 se estabeleceu uma relação de reconhecimento mútuo por parte de Israel e da OLP na busca de uma solução entre o espaço e a convivência entre os vizinhos mais próximos que são os chamados palestinos. Houve grandes progressos nas relações, mas está longe de ser ideal. Eles têm uma autonomia e deve ser trabalhada em via de uma soberania de Estado.

As condições não são favoráveis dos dois lados no momento. As complicações exteriores contribuem para a manutenção das dificuldades. O grupo do Hezbollah, que está no Líbano, sustentado pela Síria e pelo Irã, trabalha sem cessar para desestabilizar a parte do norte de Israel; no sul, na faixa de Gaza, está o grupo que a administra Gaza hoje, que é sustentado por vários outros países do bloco árabe e mesmo pelo Irã onde sua finalidade cujo objetivo é a rejeição do Estado de Israel.

A população palestina está completamente dividida hoje. Uma parte (Judá e Samaria) está sob o domínio do Fath (grupo representante da OLP) e outra parte (Gaza) está sob o domínio do Hamas.  Não há, portanto, uma única representação palestina; mesmo que haja um aparente acordo entre esses dois grupos é somente  aparente; na prática, um mata o outro e não há convivência pacífica entre os dois e ambos buscam o domínio sobre a população.

Mais uma vez a população palestina, na sua maioria, é refém deste conflito interno, mantido pelo exterior. E o preço que ela paga é altíssimo. Essa divisão interna palestina e a forte campanha de grupos de interesse de fomentar o ódio a Israel no meio da população, criam uma situação de recuo para Israel e mesmo confirma a posição da direita israelense de não somente retardar o processo de normalização, mas mesmo de ignorar a eventual solução, dado que aparentemente não há uma autoridade que represente os palestinos nos acordos definitivos entre eles.

Essas são algumas ideias sobre a  manutenção do conflito. Com tudo isso não se pode negar o direito do palestinos de terem sua soberania na terra onde eles nasceram. Mas deve se ter claro que nunca houve uma soberania palestina e sua soberania deve se basear também no direito dos judeus de terem sua própria.

Não levando em conta esses dados vitais para ambas as partes, será tomar somente um lado do problema e não almejar uma solução. Mas na situação atual o reconhecimento de Israel por parte dos países árabes é condição essencial, bem como os países árabes reconhecerem de fato o direito dos palestinos terem seu próprio país.

Pois até agora isso fez parte do discurso, mas na prática se buscou que Israel deixasse de existir e não a formação de um Estado para os palestinos. Por isso a razão é muito complexa, mas certamente uma visão islâmica de ter uma grande nação em toda a região, onde o Islã seria governado por um só soberano, é fonte de conflito entre estes mesmos países árabes e reflete diretamente na causa palestina; e da mesma forma que a minoria árabe paga o preço alto na Síria, no Iraque, na Arábia Saudita, no Iêmen, etc., os palestinos continuam pagando este preço por ser uma minoria no contexto árabe e é sempre utilizado por esses mesmos países para justificar seus discursos anti-Israel.

Ademais, hoje com Abu Mazen, líder da OLP e presidente da Autonomia Palestina, já em idade avançada e não tendo um substituto natural com aceitação popular palestina, é muito difícil visualizar uma defesa dos interesses do povo palestino.

Pode acontecer o que sempre foi, uma luta interna de manutenção do poder e mais uma vez a dita ‘solução palestina’ será deixada para mais tarde.

A causa não é de forma alguma somente religiosa e nem tampouco política, mas é formado por um complexo de fatores importantes que interagem onde o religioso e o político tem um papel de destaque.